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RS tem 53 guarda-parques para fiscalizar 305 mil hectares de unidades de conservação

Profissionais são responsáveis pela vigilância e patrulhamento dos 24 territórios espalhados pelo Estado.

O Rio Grande do Sul possui uma área de 305,613 mil hectares em suas 24 unidades de conservação (UCs) estaduais sob administração pública. De acordo com a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), esses territórios contam com 53 guarda-parques atuando na vigilância, patrulhamento e fiscalização, com o objetivo de coibir crimes ambientais. A Associação dos Servidores da Secretaria do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (Assema-RS) afirma, entretanto, que há 52 profissionais responsáveis pelas atividades, que há anos não podem ser exercidas da maneira adequada, em função principalmente do baixo efetivo e de outros problemas relacionados às condições de trabalho. Em nota, a pasta informou que outros servidores colaboram com o serviço e que está tomando medidas relacionadas ao assunto (veja a íntegra abaixo da reportagem).

Se a área total das UCs fosse dividida pelo número de servidores apresentado pela Sema, cada guarda-parque teria que cobrir mais de 5,7 mil hectares — sem contar as zonas de amortecimento, que ficam no entorno dessas unidades e também são fiscalizadas. Na prática, isso não ocorre porque alguns locais têm mais servidores do que outros, conforme mostra uma relação enviada à reportagem pela Assema-RS.

O Parque Estadual Delta do Jacuí, por exemplo, conta com 10 profissionais, enquanto no Parque Estadual do Ibitiriá, no Parque Estadual do Podocarpus, no Parque Estadual do Tainhas, no Refúgio de Vida Silvestre Banhado do Maçarico, na Reserva Biológica do Ibicuí Mirim e na Reserva Biológica do São Donato não há nenhum. Outros 41 guarda-parques estão distribuídos entre as demais unidades de conservação, em diferentes regiões do território gaúcho (veja no mapa abaixo). Segundo o levantamento da Associação, também há um servidor atuando no Horto Florestal do Litoral Norte, em Tramandaí.

A quantidade de profissionais é considerada insuficiente tanto pelos próprios servidores quanto por especialistas. Não existe um consenso sobre qual seria o número adequado para cada território, mas Alexandre Gomes, guarda-parque e presidente da Associação dos Guarda-parques do Rio Grande do Sul (AGP-RS), estima que seria necessário, no mínimo, o quádruplo de funcionários.

O presidente da Assema-RS, Pablo Pereira, afirma que algumas unidades de conservação possuem planos de manejo, que trazem a previsão da quantidade de guarda-parques adequada para aqueles locais, conforme avaliação técnica das peculiaridades de cada um.

“Os números são muito discrepantes. No Parque do Tainhas, por exemplo, o plano de manejo prevê a necessidade de 12 guarda-parques, mas não tem sequer um. Já no Parque Estadual do Espinilho, o plano prevê sete profissionais, mas hoje tem apenas dois”, ressalta.

Angela Kuczach, bióloga e diretora da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação, concorda que o número atual de servidores é muito baixo para o tamanho da área a ser fiscalizada: “É humanamente impossível cuidar decentemente de uma unidade de conservação com um guarda-parque a cada (quase) 6 mil hectares. Um parque lá na Caatinga, quando estava sob uma determinada gestão, teve uma guarita a cada 150 metros. É outro nível, isso talvez nem coubesse no Rio Grande do Sul, mas com esse número (atual) não se consegue nem fazer fiscalização, porque não pode patrulhar sozinho”.

Reclamações antigas

De acordo com o presidente da Assema-RS, os problemas envolvendo as condições de trabalho dos guarda-parques são históricos e os pedidos de providências sempre foram feitos formalmente. Diante da falta de um retorno efetivo por parte da pasta responsável, as reclamações foram levadas inclusive à Comissão de Segurança, Serviços Públicos e Modernização da Assembleia Legislativa do Estado, em junho deste ano. A situação envolvendo as unidades de conservação fez com que o órgão instalasse, em 23 de agosto, a Frente Parlamentar em Defesa das Unidades de Conservação, com o objetivo de realizar um diagnóstico desses territórios.

“Não temos concursos há muitos anos, tem colegas que estão desistindo e ainda há um problema de distribuição, porque tem unidades sem nenhum guarda-parque. E são muitos anos de mobilização, já tiveram audiências públicas na Assembleia Legislativa e a Sema deu algum retorno, mas os problemas persistiram”, comenta Pereira.

Além da questão do número de profissionais, Pereira cita problemas como a falta de armamento e munições, coletes à prova de balas vencidos e cursos de capacitação atrasados. Alexandre Gomes, guarda-parque e presidente da AGP-RS, também reclama da baixa remuneração para o cargo — um dos motivos que, em sua visão, faz com que não haja muito interesse pela carreira.

“Recebemos um terço do valor que um policial militar ganha quando toma posse. Não é uma carreira atrativa, então, mesmo com os concursos, não se conseguiu preencher o número de vagas. E muitos que assumiram já desistiram por não ter as condições de trabalho ideais. A associação existe há 10 anos e desde sempre reivindicamos melhorias”, destaca Gomes.

O presidente da AGP-RS acrescenta que os coletes balísticos novos foram entregues aos guarda-parques no ano passado e que as carteiras funcionais com porte de arma, que também estavam vencidas, começaram a ser renovadas recentemente. Aponta ainda que houve somente um curso de formação destinado aos profissionais mais novos e de reciclagem para os antigos, mas capacitações que envolvam a área de meio ambiente não foram realizadas.

“As pequenas vitórias que temos são incompletas. Conseguimos um pouco e se encerra o processo. Tem colegas com uniforme defasado, porque não há compra contínua ou programação de reposição. O armamento é obsoleto e a munição nunca foi comprada pelo Estado, alguns colegas arcam com esse gasto, mas outros, não. Essa questão do armamento é um processo que está levando quase dois anos”, reclama.

Em nota, a Sema reforçou que “está em processo de aquisição de armamento” e que “em breve serão distribuídas armas e munições individuais para cada guarda-parque, além de armas longas”. Também destacou que “a atual gestão, além de acolher e atender uma série de demandas antigas da categoria, vem construindo caminhos para a instituição de um plano de carreira por meio do diálogo com a Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG), pasta responsável pelos Recursos Humanos do Estado”.

O texto da pasta aponta ainda que ações visando a melhoria funcional “vêm ocorrendo gradativamente com a função gratificada para os gestores das UCs, capacitações, atualizações, testes funcionais, compra de uniformes e de equipamentos de proteção, como por exemplo coletes balísticos, e emissão de carteiras funcionais”. Além disso, a Sema afirma que, para os próximos meses, está prevista a entrega de equipamentos coletivos e individuais de combate e controle a incêndio.

Rotina de trabalho comprometida

Luciano Menezes, guarda-parque e diretor sindical do Sindicato dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul (Sindsepe-RS), atua ao lado de outros nove profissionais — sendo que alguns estão afastados — no Parque Estadual Delta do Jacuí. O local tem 14.242,05 hectares e abrange os municípios de Porto Alegre, Canoas, Eldorado do Sul, Nova Santa Rita, Triunfo e Charqueadas. A rotina dos servidores na unidade, explica, deveria envolver patrulhas diárias por terra e água, o que atualmente não é feito tanto pelo baixo número de guarda-parques, já que é preciso sair sempre acompanhado, quanto pela falta de armas.

“Estamos sem condições de trabalho, então, também estamos nos negando a fazer algumas coisas. Para poder fiscalizar a unidade de conservação, teríamos que ter equipes umas três equipes com uns quatro guarda-parques percorrendo áreas distintas. Com o número atual, não damos conta de atender um perímetro tão grande, porque também tem uma questão de segurança. Eu não vou correr risco”, relata.

O armamento é necessário porque os guardas exercem um trabalho comparado ao de agentes de segurança pública. Durante as patrulhas de rotina, por exemplo, costumam se deparar com caçadores, pescadores e outros indivíduos cometendo crimes ambientais — sendo que muitos deles estão armados e reagem à abordagem. Por isso, às vezes, precisam pedir reforço das polícias para conter alguma situação mais violenta por parte dos infratores.

Menezes relata uma situação ocorrida em uma das ilhas da área do parque, em que ele e outros colegas chegaram de barco, e se depararam com mais de 30 pescando com material irregular. “Não eram pescadores autorizados e não podia pescar lá. Chegamos, abordamos e colocamos eles em fila. Eu estava com uma arma longa, super obsoleta, e aquilo foi uma tensão enorme, porque tínhamos que ficar cuidando todos e eu só tinha oito tiros se precisasse atirar. Corremos risco diariamente, em qualquer atividade”, relembra, ressaltando que menos da metade dos guarda-parques têm armas.

De acordo com o guarda-parque, há muitos colegas desmotivados e revoltados com a situação.

Cenário nacional

Angela Kuczach, bióloga e diretora da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação, afirma que esses problemas não são uma exclusividade do Rio Grande do Sul, ocorrendo em todo o Brasil. Também comenta que o baixo número destinado à fiscalização de uma área tão grande representa a “falta de compromisso e o descaso do governo” com a categoria e com a política pública das unidades de conservação.

A especialista cita como referência a Argentina e os Estados Unidos, onde esses profissionais são muito respeitados, diferente do Brasil. “Os guarda-parques do Brasil trabalham por amor à profissão, porque qualidade de trabalho eles realmente não têm. Faltam equipamentos, um plano de carreira e toda uma gama de lacunas que precisam ser preenchidas para que esses profissionais sejam respeitados e possam cumprir sua função. Eles são responsáveis pela manutenção dessas unidades e, conforme a Constituição, temos a obrigação de preservar o meio ambiente para as gerações futuras”, enfatiza.

Com a falta de fiscalização, os territórios ficam vulneráveis aos crimes ambientais. Angela compara essa situação com um banco que não tem guardas: “Você tem um ambiente que é patrimônio público, que não está sendo cuidado, sendo exposto ao desmatamento, à caça ilegal, às queimadas e a vários outros riscos. No final das contas, quem paga é a sociedade. O crime é uma possibilidade, mas podemos afirmar que quando não tem guarda-parque fazendo o seu trabalho, tem um grau de abandono altíssimo e isso afeta todas as outras áreas”.

Confira a nota da Sema na íntegra

A Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) informa que o Rio Grande do Sul conta com 53 guarda-parques, que atuam nas 24 unidades de conservação estaduais. O último concurso para guarda-parque foi realizado em 2014, com chamamentos que se estenderam até 2018. Na gestão atual, houve a realização de concurso para analistas e administrativos, suprindo vagas existentes e adequando equipes mínimas em cada UC.

Colaboram de forma integrada todos os entes do Sistema Estadual de Proteção Ambiental, composto pela Sema, Fepam, Patram, Ministério Público, Ibama, IcmBio e municípios. A Sema reforça que está em processo de aquisição de armamento e em breve serão distribuídas armas e munições individuais para cada guarda-parque, além de armas longas. A atual gestão, além de acolher e atender uma série de demandas antigas da categoria, vem construindo caminhos para a instituição de um plano de carreira por meio do diálogo com a SPGG, pasta responsável pelos Recursos Humanos do Estado.

Ações visando a melhoria funcional, e consequentemente a proteção ambiental nas unidades de conservação do estado, vêm ocorrendo gradativamente com a função gratificada para os gestores das UCs, capacitações, atualizações, testes funcionais, compra de uniformes e de equipamentos de proteção, como por exemplo coletes balísticos, e emissão de carteiras funcionais. Para os próximos meses está prevista a entrega de equipamentos coletivos e individuais de combate e controle a incêndio.

Foto: Reserva Biológica do Ibirapuitã/Norberto Jaeger

Fonte: Zero Hora